Há doses e doses. Talvez esteja a puxar doses a mais. De vida. Mas isto sozinho dói bué.
Há uma hora na esplanada em Matosinhos, enquanto revia o "Pourquoi me réveiller?" para a masterclass desta tarde, uma conversa da mesa ao lado veio ter comigo. Falava-se dos tempos. Como hoje é a vida, como foi. Do tempo em que, na circunvalação não havia casas e como era escuro e sombrio; do tempo em que, a senhora que falava, falava de, catraia, levar uma caixa com vestidos a uma viscondessa e que se, no transporte, a levasse deitada (à caixa) não pagava, mas se a levasse de pé, pagava tanto como uma pessoa; falava-se de 15 tostões, de 90 escudos por semana e da fábrica que abriu depois do 25 Abril e de se ganhar de seguida 3 contos de reis, "muito dinheiro para a altura"; falava-se do episódio da viscondessa: "como o condutor me obrigou a levar a caixa de pé tive de pagar o dinheiro da caixa e fiquei sem nada para regressar a casa e chovia como só Deus. Tive que chorar a pedir dinheiro que estava escuro e não tinha como chegar a casa". Deram-lho. Falava-se da vida de agora. Do filho que começou ao contrário: a trabalhar na Austrália e a ganhar muito dinheiro, e agora, regressado, a ganhar 2 euros/hora. Do irmão dela, que não se lembrava de nada da infância e dela, que se lembrava de tudo.
Quem falava, falava da dificuldade da vida, mas falava com vida. Apeteceu-me abraçar aquela senhora que falava, mas escorriam-me as lágrimas por detrás dos óculos de sol, por detrás das minhas 'orages et tristesses', por detrás do 'ne trouveront plus que deuil et que misère', por detrás da minha vergonha de mão dada com admiração. Lembrei-me da minha tia Mimi, da sua vitalidade.
Quero ser mais como aquela senhora.
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