Tenho andado a constatar que, a cada dia que passa, a base da minha percepção da realidade está a alterar-se. Tenho flashes de imagens na minha cabeça que se sobrepõem à imagem real, sem no entanto perder esta do primeiro plano. No decorrer duma conversa, geralmente enquanto escuto (e não o contrário), salta-me à visão uma imagem completamente descontextuaizada do que se fala. Acredito ser percepção e não construção da minha própria imaginação porque tenho que recuar, literalmente, para observar.
Vi isso numa conversa recente com uma amiga. De repente, não pelo que ela dizia (mas talvez por causa do que as suas mãos faziam), à minha frente estávamos os dois num intenso entrelace sexual. A intensidade era tal que, aliada à surpresa, me fez recuar na cadeira. Por segundos observei, questionei, rejeitei, senti e terminei. Esta parte deixou-me tranquilo. Quando, na minha mente afirmei: pára!, parou. Não sei que expressão seria a minha, mas não notei grande diferença no seu olhar, por causa do meu.
Hoje ao almoço, com um amigo que conheço muito bem e que começou uma relação recentemente, durante o seu discurso, novamente: imagens. A cara dele transmutava-se: por momentos não o via a ele, mas ao outro. Aqui, acredito ser outro fenómeno: o da diferença, do contraste. Conheço-o tão bem, e todas as sua micro-expressões, que percebi, em vez delas, o contágio da novidade do outro. Mas não foi só isso: pareceu-me ver o outro, literalmente. Também nesta instância tive que parar, abrir bem os olhos e recuar. Disse-lhe o que tinha visto. Ele, bem, aí foi ele mesmo!!
Estas transmutações interseccionistas nunca se tinham revelado tão óbvias. Mas não são estas as que mais me perturbam. Talvez porque tenham imagem, e eu lido bem com isso.
As que não consigo processar são as sensações internas, sem imagem tridimensional, mas com informação. As que me parecem acontecer em tempo real, por me sentir ligado a outra pessoa. Não têm substância, não se ouvem ou vêem, sentem-se, muito debilmente mas com muita certeza.
Estas não consigo distinguir se são percepção ou projecção da minha imaginação. E, como tal, tiram-me o centro. Mas só o fazem quando são intensas, como se eu estivesse a sentir o outro, distante; não exactamente o quê, mas a perturbação, não os contornos mas o borrão. Um borrão sensorial, isto é o que sinto. O borrão de gestos começados mas interrompidos; de vontades geradas mas reprimidas; de desejo de comunicação barrado. (mesmo agora, quando escrevo, sinto uma resistência interna a fazê-lo, como se não mo fosse permitido, como se não devesse, mas, ao mesmo tempo, tendo de o fazer, porque o espaço e o tempo entre este post e o anterior está a ser demasiado longo, exasperante! - tenho sensações físicas como o desacelerar da digestão, a leveza da cabeça e a iminência do desmaio, aliados a um lacónico 'despacha lá esta merda duma vez!')...
Sinto-me ridículo. Mas o ridículo é território da Sombra, território heurístico. Tenho que o percorrer.
Pessoano ... ou presque.
ResponderEliminar:)